terça-feira, julho 07, 2009

Pobreza pobre.



Lembro-me de meu pai que sempre me dizia: filhinha, pobre sofre !
Às vezes fico me perguntando se os pobres da Europa sofrem menos que os nossos.
E, sinceramente, ainda acho que os pobres da zona sul sofrem menos que os das outras zonas ( seja ela qual for ) !
Dia desses, precisei visitar um cliente que mora numa das zonas desfavorecidas.
Entrei no ônibus e perguntei ao motorista se passava no bairro em que o dito cujo morava.

- " Motorista, bom dia ! o Senhor passa nesse bairro da zona norte ? !

- " Não sei não, não conheço nome de rua nenhuma."

Insisti....(aliás, insistência é qualidade ou defeito meu. Não sei ainda...)

- "Mas moço, eu não perguntei nome de rua, só preciso saber se o senhor passa nesse bairro."

- " Eu também não conheço nome de bairro nenhum não senhora !"

Insisti, de novo....Eu sou terrível...

- " E como o senhor soube que devia entrar à direita agora e passar por debaixo desse viaduto?"
- " Eu só sei ir, não sei nome de nada "

Disse a ele uma meia dúzia de palavras que não cabem aqui e desci do coletivo.

No fim da tarde, do mesmo dia, visitei clientes da zona sul.
Ah, que maravilha ! Tudo na zona sul é melhor!
Uma linda vista, gente mais educada, gente mais bonita.
Sei lá, pode ser impressão minha mas até os pobres de lá são diferentes.

Tomei um ônibus indo pra Botafogo que o motorista tinha até guia rex pra orientar os passageiros;
Um outro, que seguia viagem à Ipanema, desceu do ônibus pra ajudar uma velhinha que nem parecia rica.
Eu digo: na zona sul tudo é melhor, inclusive os pobres.
Quando chego na central do brasil, volta a tristeza.
Mas tristeza mesmo é ver um pai obrigando uma criança de 3 aninhos a gostar de um desses suquinhos de cinquenta centavos. A criança bebia e fazia vômito.
O pai dizia : filhinho, é gostoso ! E a criança fazia uma cara feia!
Eu olhei para o copo e vi escrito algo como " Guara limão ginseng" e mais alguma coisa que não consegui identificar. Tudo num copo só! Imaginem...
Coitada da criança. Não queria estar na pele dela.

Nem sonha o trajeto duro que a espera. Isso é só o começo neném. Prepare-se !
Nunca vai se viciar em todinho, moranguinho ou qualquer coisa que termine com inho e que custa os olhos da cara.
Nunca vai pegar um bronzeado em plena segunda-feira !
Nunca vai ter o desprazer de encarar um engarrafamento no aterro do Flamengo com vista pro mar.
Vai ter de viajar em pé pra casa num coletivo bem cheio, sentindo o fedor do suvaco dos outros e com direito à vista da avenida brasil afora.

Nem mesmo a Justiça é justa com os pobres.
Mas depende do pobre.
Os pobres da zona sul, por exemplo, são mais instruídos.
Na zona sul tem placas pra todo lado falando sobre tudo que se imaginar.
E quando até mesmo a justiça tenta ser injusta, o pobre grita!
Mas os pobres da zona norte não têm voz.
Morrem mudos.

Quer saber? Vou me mudar pra um dos morros da zona sul rapidamente.
Antes que eu morra e o pior: sem a minha própria voz.

quinta-feira, junho 25, 2009

Cartas de amor - Rubem Alves

Leio e releio o poema de Álvaro de Campos. Oscilo. Não sei se devo acreditar ou duvidar. Se acredito, duvido. Duvido, porque acredito. Pois foi ele mesmo quem disse – ou melhor, o seu outro, o Fernando Pessoa – que ele era um fingidor. “Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas...”

Tenho no meu escritório a reprodução de uma das telas mais delicadas que conheço, “A mulher que lê”, Johannes Vermeer (1632-1675). Uma mulher, de pé, lê uma carta. O seu rosto está iluminado pela luz da janela. Seus olhos lêem o que está escrito naquela folha de papel que suas mãos seguram, a boca ligeiramente entreaberta, quase num sorriso. De tão absorta, ela nem se dá conta da cadeira, ao seu lado. Lê de pé. Penso ser capaz de reconstruir os momentos que antecedem este que o pintor fixou. Pancadas na porta interromperam as rotinas domésticas que a ocupavam. Ela vai abrir e lá estava o carteiro, com uma carta na mão. Pela simples leitura do seu nome, no envelope, ela identifica o remetente. Ela toma a carta e, com esse gesto, toca uma mão muito distante. Para isso se escrevem as cartas de amor. Não para dar notícias, não para contar nada, não para repetir as coisas mais sabidas, mas para que mãos separadas se toquem, ao tocarem a mesma folha de papel. Barthes cita estas palavras de Goethe: “Por que me vejo novamente compelido a escrever? Não é preciso, querida, fazer pergunta tão evidente, porque, na verdade, nada tenho para te dizer. Entretanto tuas mãos querida receberão este papel...”

Volto ao Álvaro de Campos. Será esta a razão do ridículo das cartas de amor – o descompasso entre o que elas dizem e aquilo que elas realmente querem dizer? Pois o propósito explícito de uma carta é dar notícias, e é por isso que elas são feitas de palavras. Mas o que elas realmente querem realizar está sempre antes e depois da palavra escrita: elas querem realizar aquilo que a separação proíbe: o abraço. Quem quer que tente entender uma carta de amor pela análise da escritura estará sempre fora do lugar, pois o que ela contém é o que não está ali, o que está ausente. Qualquer carta de amor, não importa o que se encontre nela escrito, só fala pelo desejo, a dor da ausência, a nostalgia pelo reencontro.

Aquela carta fez tudo parar. A mulher fecha a porta e caminha pela casa sem nada ver, buscando uma coisa apenas, a luz, o lugar onde as palavras ficarão luminosas. Que lhe importa a cadeira? Esqueceu-se de que está grávida. Seus olhos caminham pelas palavras que saíram das mesmas mãos que a abraçaram. Seu corpo está suspenso naquele momento mágico de carinho impossível que aquele pequeno pedaço de papel abriu no tempo do seu cotidiano.

Uma carta de amor é um papel que liga duas solidões . A mulher está só. Se há outras pessoas na sala, ela as deixou. Bem pode ser que as coisas que estão nela escritas não sejam nenhum segredo, que possam ser contadas a todos. Mas, para que a carta seja de amor, ela tem que ser lida em solidão. Como se o amante estivesse dizendo: “Escrevo para que fique sozinha...” É este ato de leitura solitária que estabelece a cumplicidade. Pois, foi da solidão que a carta nasceu. A carta de amor é o objeto que o amante faz para tornar suportável o seu abandono.

Olho para o céu. Vejo a Alfa Centauro. Os astrônomos me dizem que a estrela que vejo agora é a estrela que se foi, há dois anos atrás. Pois foi este o tempo que a sua luz levou para chegar até meus olhos. O que eu vejo não mais existe. E será inútil que eu pergunte: “Como será ela agora? Existirá a dois anos, quando a sua luz chegar até mim”. A sua luz estará sempre atrasada. Vejo aquilo que já se foi... Nisto as cartas de amor parecem com as estrelas. A carta que a mulher tem nas mãos, que marca seu momento de solidão, pertence a um momento que não existe mais. Ela nada diz sobre o presente do amante distante. Daí a sua dor. O amante que escreve alonga os seus braços para um momento que ainda não existe. A carta de amor é um abraçar no vazio...

“Ainda bem que o telefone existe”, retrucarão os namorados modernos, que não mais têm que viver o amor no espaço das ausências. Engano. Um telefonema não é uma carta falada. Pois lhe falta o essencial: o silêncio da solidão, a calma da caneta pousada sobre a mesa que espera e escolhe pensamentos e palavras. O telefone põe a solidão a perder. Num telefonema a gente nunca diz aquilo que diria numa carta. Por exemplo: “Eu ia andando pela rua quando, de repente, vi um ipê-rosa florido que me fez lembrar aquela vez...” Ou: “Relendo os poemas de Neruda encontrei este que, você gostará de ler...”

A diferença entre a carta e o telefone é simples. O telefone é impositivo, a conversa tem que acontecer naquele momento. Falta-lhe o ingrediente essencial da palavra que é dita sem esperar resposta. E, uma vez terminado, os dois amantes estão de mãos vazias.

Mas a mulher tem nas mãos a carta. A carta é um objeto. Se não tivesse podido recolher-se à sua solidão, ela poderia tê-la guardado no bolso, na deliciosa espera do momento oportuno. O telefonema não pode esperar. A carta é paciente. Guarda as suas palavras. E, depois de lida, poderá ser relida. Ou simplesmente acariciada. Uma carta contra o rosto – poderá haver coisa mais terna? Uma carta é mais que uma mensagem. Mesmo antes de ser lida, ainda dentro do envelope fechado, tem a qualidade de um sacramento: presença sensível de uma felicidade invisível...

Estes pensamentos me vieram depois de ler as cartas de um jovem cientista, Albert Einstein, à sua amada, Mileva Maric. Foram elas que me fizeram ir ao poema de Álvaro de Campos: ridículas. Todas as cartas de amor são ridículas. Acho que os editores pensaram o mesmo. E como desculpa para o seu gesto indiscreto de tornar público o ridículo que era segredo de dois amantes, escreveram uma longa e erudita introdução que transformou as ridículas cartas de amor em documentos da história da ciência. Valem porque, misturadas ao ridículo de que os amantes se alimentam, se encontram pistas que dão aos historiadores as chaves para a compreensão das “fontes do desenvolvimento emocional e intelectual dos correspondentes”. Não sabendo o que fazer com o amor (ridículo), colocaram-nas na arqueologia da ciência.

Foi então que o quadro de Vermeer me fez ver a cena que as cartas de amor escondem. E a mulher com a carta na mão e uma criança na barriga? Ela bem que podia ser Mileva, grávida de uma filha ilegítima, que foi dada para adoção, e sobre quem nada se sabe. A criança foi dada. Mas as cartas foram guardadas. E que razões poderia ter uma pessoa para guardar cartas ridículas? O seu rosto absorto e os lábios entreabertos nos dão a resposta: para aqueles que amam as ridículas cartas de amor são sempre sublimes.

Volto ao poema de Álvaro de Campos e encontro lá o que faltava para fechar a cena:

Afinal,
só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor
são ridículas.

sexta-feira, junho 12, 2009

Eu conheço você.
Na verdade, nunca te vi.
Mas conheço sua paz.
Conheço a fama.
Conheço sua cama.
O passado agora
é problema passado
Marcado
para não mais incomodar
O caminho está aberto
Simples e certo
florido pra nós.
Venha
me dê a mão.
Não olhe a braveza
Esqueça a tristeza
Do meu lado vai ser sempre bom
Eu prometo
porque conheço você
porque sempre te quis
você sempre esteve aqui
Guardada em mim
escondida nos recôndidos
do meu ser marcado pelo passado
que se liberta
e agora flerta
com seu doce sorriso
que me faz feliz.

Fica comigo ?

sexta-feira, maio 22, 2009

Sem nome

Onde anda você que beija precipitado
como se fosse perder o trem
E ainda assim, o que fez comigo?
Me pôs de quatro e no quarto fiquei
Me gira a cabeça
Me tira do chão
Me ergue nos braços
Me beija apressado
Me esfrega no chão
Que cheiro
Que peito
Que beijo, ui !
me deleito
me ajeito
me esfrego
subo e desço
não tem jeito
em você me perco
assim eu chego
vejo a porta do céu
aberta pra mim
em mais um aperto
você não tem jeito
Menina - neném
que me quer consumir
e sumir num só gole
tenha calma
a noite é uma criança
vamos dançar uma dança
me deixa ensinar
você vai gostar
assim, assim
é muito melhor
é muito gostoso
eu te juro
que você vai gostar
e como eu vai chegar
à porta do céu
e roubar uma estrela
inteira pra mim.
Fica....